Dia 4 – Logrono a Burgos

Distância – 140Km
Tempo gasto – 13h00m

Fiz neste dia tantos kms como os que fiz no somatório dos 3 dias anteriores. Exagerei um pouco e não vou voltar a fazé-lo, embora me sinta bastante bem fisicamente. Parte da experiencia deste caminho, passa pelas pessoas que se conhecem e de tudo o que vivenciamos e não quero perder isso com a possibilidade de poder fazer muitos kms diários. Hoje consegui perder metade da minha roupa e o camel-bag, pois deixei uma das bolsas das mochilas abertas e elas voaram dali para for ao longo do dia. Não estou preocupado com isso, pois já me consegui habituar a sobreviver com muito pouco, como a maioria destes peregrinos. Hoje foi outro dia solitário de bicicleta e agora perdi os espanhois a quem já me habituara de encontrar ao fim do dia para falarmos sobre as dificuldades do dia. Aqui em Burgos encontrei mais peregrinos em bicicleta, mas que desistiram de fazer o caminho devido á dificuldade e seguem até Santiago pelas estradas. Ao longo do dia fui sempre parando e falando com brasileiros, neozelandeses, bulgaros, coreanos, italianos, espanhois e franceses. A vantagem de fazer o caminho em bicicleta deve-se ao facto de se conseguir fazer mais kms do que a pé e cruzamo-nos com muito mais gente. Encontrei hoje um peregrino que pertencia à "Amnistia Internacional" e está a fazer o caminho (previsão de 3 meses para terminar) com os seus instrumentos musicais (incluindo um acordeão pesadissimo), dando concertos "one man show" em cada povoação que passa. Transporta consigo também milhares de panfletos da"AMI"e Cds da sua música que vende e cujos fundos vão para a AMI. Estive a falar também com uma peregrina que ia até Santiago montada na sua bela égua. Quando a encontrei e abordei, estava ela parada na berma. Comentei que a égua era linda e ela disse-me que a égua decidira tirar uma soneca e que quando isto acontece só lhe resta esperar. Contou-me que faziam cerca de 20 kms por dia e das dificuldades que tinha diáriamente. Era díficil encontrar lugares onde dormir e onde pudesse guardar a égua, tinha de procurar comida diariamente para a égua, bem como preparar e carregá-la diáriamente.
Desculpem a escrita, mas não existe nunca tempo para mais nada e corrigir o que quer que seja depois de tantos kms no lombo é algo que o meu cerebro não aguenta. Tenho de ir descansar, pois amanhã vou tentar fazer mais uns poucos dos 500 kms que me restão até Santiago, pois 300 já estão feitos. Estou fascinado com tudo isto e ainda não vou a meio e se pudesse começava já tudo de novo. Existe realmente algo de mágico neste caminho e já sinto que faço parte dele e muitas vezes ao longo do dia sinto que algo de especial acompanha todo este grupo de nómadas temporários por esses "caminhos de cabras fora"! As pessoas das povoações são muito delicadas e estão sempre prontas a orientar e ajudar um peregrino.

Informação adicional:

A primeira cidade que encontrei pela manhã foi Nájera e em seguida Santo Domingo de La Calzada, uma pequena cidade com quase 6 mil habitantes, porém uma das mais importantes para o caminho. Conta a história que um homem, chamado Domingo, desgostoso por não ter conseguido entrar para uma ordem religiosa após vários anos de estudo, resolveu ajudar os peregrinos, que já caminhavam em direção a Santiago de Compostela. Domingo construiu a catedral, uma ponte e o albergue, que existem até hoje. Depois de sua morte, a cidade tomou o seu nome. Além disso, uma das lendas mais conhecidas do Caminho vem dessa cidade: um casal levava seu filho Hugonell para se casar numa das cidades vizinhas, quando resolveu pernoitar em Santo Domingo. Numa taberna, uma mulher que servia as mesas apaixonou-se pelo rapaz, porém não foi correspondida. Para se vingar, colocou uma taça de prata na bagagem do noivo e acusou-o de furto. Hugonell foi condenado à morte pelo crime. Seus pais, desesperados, recorreram ao corregedor da aldeia que disse que ele só se salvaria se a galinha assada que estava para ser comida voltasse a viver. Nesse instante, a galinha cantou. Daí, o refrão "Santo Domingo de la Calzada, donde canto la gallina después de asada" . A partir desse dia, foi colocado um galinheiro dentro da igreja, que permanece até hoje. É considerada boa sorte quando o galo canta quando um peregrino sai da igreja. A catedral é uma verdadeira obra de arte. Bela e riquíssima, é extremamente bem conservada. A viagem continuou em ritmo de subida até Belorado, pouco mais de 23 km de Santo Domingo. Por muitos quilómetros acompanhei peregrinos que vão, em seu passo lento, amparados por cajados de madeira ou bastões para alpinismo de última geração – alguns feitos até mesmo de fibra de carbono – bem ao lado da rodovia N-120. O tempo esteve encoberto até Burgos e passei por uma imensidão de verde proveniente das plantações de trigo.
Em Villafranca Montes de Oca, vi uma placa: 6 graus de inclinação nos próximos 3 quilômetros e subidas até aos 1300m. Naturalmente, não desisti pois já muito poucas coisas me podem desmotivar neste caminho. A chegada a Burgos é um pouco complicada. A cidade é grande para os padrões do Caminho, com cerca de 170 mil habitantes, e às 18.00h, o trânsito estava muito mau e foi díficil encontrar o belo albergue de Burgos.

Amanhã continua…

Paulo Reis